Não sei quantos habitantes havia em Mirai durante a minha infância. Talvez não chegassem a cinco mil, mas uma coisa era certa, todos – não importa se criança ou velho – tinham um “afilhado” em comum: Joventino, um inocente que a todos saudava com um “bença, padim”. Quando eu contava seis ou sete anos de idade, Joventino já passava dos trinta, mas eu também era chamado de “padim” e sustentava longos diálogos com o “afilhado” de todos nós.
Joventino não tinha morada certa. Vivia nas ruas, visitava todas as casas e sempre era bem recebido por uma platéia atenta às suas histórias. Era o deficiente mental mais lúcido que conheci. Tratava a todos com respeito e tinha uma religiosidade impar: rezava do lado de fora da Matriz de Santo Antônio, porque lá dentro o padre Ernesto não o deixava ficar, mas tinha entrada franqueada na igreja protestante, onde entoava uma música sacra tradicional das Assembléias de Deus: “Foi na cruz, foi na cruz, onde um dia eu vi meus pecados castigados em Jesus...”
Joventino era uma das muitas figuras folclóricas de Mirai, uma pequenina cidade da Zona da Mata de Minas Gerais. Lá viviam ainda os espetaculosos Quirino e Lambreta, que se tornavam agressivos e jogavam pedras contra os moleques que os importunavam. Joventino, não. Esse era doce, tinha uma inocência especial e, às vezes, me parecia um anjo, uma espécie de mensageiro da paz.
Lembro-me que num certo dia de Natal ele subiu a escada que dava acesso à casa onde eu morava com um carrinho de plástico na mão. Era um fusquinha vermelho sem rodas que ele deve ter achado pela rua. Joventino me deu o presente e disse, “Feliz Natal, padim!”.
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