Hoje conversava com um amigo sobre o que pode ser um sentimento ou um ato: ingratidão. Lembrei-me, então, de uma figura que muito admirava: o deputado Ulisses Guimarães, que costuma dizer que “o dia do benefício é a véspera da ingratidão”. Depois passamos a falar das agruras de um amigo comum: o grande Chico Leite, um publicitário que durante muitos anos trabalhou nas emissoras de televisão do Rio e depois se transferiu para Rio das Ostras, onde, dizia, iria descansar... Pois é, descansou mesmo. O coração o traiu e ele se foi. Este jornalista foi um dos últimos a conversar com o velho e bom Chico Leite e dele ouviu, nesse encontro derradeiro, um desabafo.
Chico era secretário de Turismo na gestão do primeiro prefeito do município, Cláudio Ribeiro. Um certo dia ele conheceu um rapaz que chegara a cidade num Chevette caindo aos pedaços, que muito mais que um meio de transporte, servia a esse rapaz como dormitório. O bom e velho Chico, sempre paternal, compadeceu-se do rapaz e apressou-se em lhe arrumar um ganha-pão. Chamou o prefeito e deu a idéia.
- Tem um moço que acabou de chegar na cidade. Ele namora uma menina muito esforçada também. Ela trabalha como pintora de faixas e abre letras muito bem. Quero sua permissão para dar trabalho a ele.
O prefeito concordou e o recém-chegado passou a pintar latões. A cor era azul-marinho. Ela, a namorada, encarregava-se das letras. Os velhos latões transformaram-se então em receptores de lixo. Foram espalhados cidade a fora e o recém-chegado teve seu primeiro emprego na cidade.
O tempo passou. Claudio foi assassinado e a Prefeitura passada ao contrário da vice-prefeita. A administração foi um desastre. Chegou 1996 e Alcebíades Sabino foi eleito prefeito e viu no ex-pintor de latões um grande futuro. Acabou nomeando-o no primeiro escalão e moço fez carreira rápido. Chico tinha uma mágoa profunda: o moço nunca mais olhou para quem lhe abriu as portas da cidade.
Talvez Chico não mais exista na memória desse moço, que também não deve ter nem vaga lembrança do Chevette velho, mas muitos em Rio das Ostras se lembram muito bem dessa história e entendem que esse moço fora mesmo muito ingrato com o bom e velho Chico Leite.
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