Gente, eu prometi a minha mulher que só voltaria a trabalhar no dia 5 de janeiro. Vou cumprir, mas vou abrir essa exceção, pois recebi muitos pedidos para repostar hoje uma reflexão de Natal que publiquei em 2009, me baseando no sofrimento dos servidores que a Prefeitura de Nova Iguaçu deixou sem salário nos últimos três meses daquele ano. Os pedidos partem de trabalhadores terceirizados que desde outubro não recebem o parco dinheirinho, o que equivale dizer que a prefeita Sheila Gama estava falando sério quando dissera que faria uma gestão de continuidade.
Uma reflexão de Natal (24/12/2009)
Hoje os sinos dobram em todas as catedrais. Famílias do mundo inteiro - de mesa farta ou não - estão reunidas para comemorar o nascimento de um menino pobre que tornou-se o Rei dos reis. Nessa data, homens e mulheres – de boa vontade ou não – se mostram mais sensíveis. Até os poderosos que passaram o ano inteiro vilipendiando os pobres, pisando nos direitos do cidadão comum, encontram nesse dia um tempo para falarem mais manso e dispensarem pelo menos um momento de ternura, afinal é Natal, data que nos enternece a todos.
Minha família começa a se reunir nesse momento em que escrevo essas linhas. Nossa mesa é farta, graças a Deus e ao esforço de nosso trabalho, mas em cerca de dois mil lares iguaçuanos o dia foi de tristeza e a noite não deverá ser diferente, pois há três meses pelo menos um membro dessas famílias não recebeu o salário devido pela prefeitura de Nova Iguaçu. Décimo-terceiro então, nem pensar.
Isso é mais que triste. É humilhante, mas a situação não parece incomodar em nada ao prefeito Lindberg Farias, que nasceu em berço de ouro, nunca trabalhou na vida e não sabe o quanto dói ouvir o filho pedir um presente - por mais barato que seja - e esse pedido não poder ser atendido. Acho que temos de parar para pensar. Então convido todos a refletirem lendo a crônica abaixo, texto escrito por Rubem Braga em junho de 1935.
“Luto da família Silva
Assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava morto. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos “Fatos Diversos” do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito João da Silva. Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise.
João da Silva - Neste momento em que seu corpo vai baixar à vala comum, nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem. Nós somos os Joões da Silva. Nós somos os populares Joões da Silva. Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; nós não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, nós éramos os degredados. Depois fomos os índios. Depois fomos os negros. Depois fomos imigrantes, mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. É por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos, andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família. Usamos o sobrenome de Tal”. A família Silva e a família “de Tal” são a mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada boa família. Até as mulheres que não são de família pertencem à família Silva.
João da Silva - Nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía sangue azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho - vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para os homens importantes. A família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, na mata, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telhas de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz os bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo.
Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na política...”
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